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  • Foto do escritorJanaína Oliveira

De “chernoboys” a “el mago joga y joga”: a construção de uma narrativa machista no BBB20

Atualizado: 2 de abr. de 2020

Marcado pela articulação feminista na primeira semana, o reality deu palco ao machismo maquiado de jogador em sua reta final


Antes de começar a ler este conteúdo, é importante que você tenha ultrapassado a fase de “o BBB é coisa de alienado” e entendido que o Big Brother Brasil, o maior reality show do país é, na verdade, um reflexo da nossa sociedade. Vale lembrar também que a geração mimimi nada mais é que a geração que não é obrigada a engolir machismo, racismo, lgbtfobia etc. Dito isto, vamos ao que interessa.


Logo na primeira semana do reality foi perceptível que muitas bandeiras seriam levantadas, e muitos assuntos seriam debatidos pelos telespectadores, graças ao grupinho de “chernoboys”, apelido carinhosamente adotado nas redes sociais para se referir aos participantes homens da casa, em especial: Petrix Barbosa, Lucas Galina, Hadson Neri, Lucas Chumbo e Felipe Prior.


As atitudes dos participantes acima fizeram os internautas questionarem se agir como um “macho escroto” era um pré requisito de seleção para o elenco masculino da casa. Calma, chegaremos aos demais participantes. Mas vamos entender como essa narrativa machista aconteceu.


O elo criado entre os homens da casa, resultando numa espécie de separação entre meninos e meninas, rendeu conversas que geraram revoltas no público. Entre eles, os homens conversavam sobre a aparência, comportamento, maquiagem e muitas outras coisas das mulheres da casa, sobretudo, criaram um plano mirabolante para seduzir as participantes comprometidas, para que elas caíssem em tentação e perdessem o apoio do público. Acho que aqui já deu pra entender o apelido ligado à radiação que esses participantes receberam, né? Altamente tóxicos.


É importante ressaltar que os participantes Petrix e Lucas eram as “cabeças” desse plano. Ambos tinham relacionamentos fora do reality. Ambos disseram que as namoradas deviam perdoa-los porque eles só estavam jogando. Ambos acreditavam piamente que se seduzirem as participantes, elas – e somente elas, perderiam o apoio do público. É um traço machista tão forte, que eles tinham certeza que seriam perdoados pelo público e pelas namoradas, afinal são homens e só estavam jogando, não é mesmo? Não.


Infelizmente, não foi apenas com comentários que os homens conseguiram atacar as mulheres da casa. O participante Pétrix Barbosa, apelidado de PX, por exemplo, foi acusado de assédio, após balançar os seios de Bianca Andrade, conhecida como Boca Rosa, quando a mesma estava visivelmente alcoolizada em uma festa. Também encostou as partes íntimas na cabeça de Flayslane em outra festa. Esses fatos somados a comentários como “poderiam ter melhorado na qualidade” (se referindo à beleza das participantes como se elas fossem peças de carne em um açougue), fizeram com ele fosse eliminado com 80% dos votos, além de ter que prestar depoimento na delegacia, sobre a acusação de assédio.


O fato envolvendo Bianca e Petrix foi avaliado pela produção do reality, após muita revolta nas redes sociais, que chamou os dois para o confessionário, separadamente. Boca Rosa respondeu para produção que não se sentiu violada pelo rapaz. Este é um fato extremamente delicado; muitas mulheres vítimas de assédio não sabem que estão sendo assediadas, pois este tipo de comportamento é muito naturalizado. É muito importante ouvir as mulheres, mas é preciso lembrar que elas são as principais vítimas da manutenção de um sistema machista e patriarcal, o que implica, inclusive, na dificuldade de reconhecer essas atitudes, uma vez que todos falam que esse tipo de coisa é normal, é “coisa de homem”.


O PX não foi o único assediador da casa, infelizmente. O participante Pyong Lee assediou pelo menos três sisters em uma única festa, e no dia seguinte disse que estava bêbado e pediu perdão para a esposa (que aguardava um filho dele aqui fora). Mais uma vez o assédio foi naturalizado não só dentro da casa, mas a torcida também passou pano. Todavia, graças à militância que não descansa nunca, Pyong foi eliminado com 51% dos votos.


Quando a participante Marcela Mcgowan resolveu contar para as meninas sobre o plano que ela tinha ouvido do Hadson (aquele de seduzi-las), e foi muito questionada sobre a veracidade do fato, tivemos um exemplo claro de como uma mulher é invalidada em detrimento do que é dito por um homem. Boca Rosa, que inclusive era muito próxima de Hadson, não acreditou na história. Isso nos leva a mais um fato envolvendo a empresária.


Em conversa com Guilherme Napolitano, Bianca debochou das atitudes das meninas em relação à união feminina que havia se formado naquele momento: “você precisava ver, Gui. Papinho de ‘girl power’, meninas vamos lá. Eu falei, gente o que é isso? Um filme? Isso aqui é vida real”. A conversa viralizou nas redes sociais e resultou no cancelamento da empresária. Esse é mais um exemplo de como o machismo sempre culpa a mulher em primeiro lugar.


Como empresária e influenciadora digital que trabalha com o público feminino, Bianca tinha um compromisso de defesa das mulheres e de compreensão do discurso feminista levantado pelas participantes da casa. Só que muita gente esqueceu que ela também é vítima do sistema patriarcal. Mais tarde, com as informações levadas pelos participantes da casa de vidro, a jovem acreditou no discurso de Marcela e foi acolhida pelas sisters. Chegou a confessar, chorando, para Manu Gavassi: “Tudo isso ainda é muito novo pra mim. Agora eu sei que eu não posso deixar um cara me chamar de 'gostosa' porque isso dá brecha para que ele assedie outras mulheres. Eu não sabia, meus amigos sempre me trataram assim.”. Estamos falando de uma mulher que, provavelmente, sofreu assédio a vida inteira e por isso não conseguia ver a maldade, isto é, o assédio que sofria e como tudo isso é um fruto de um pensamento machista.


Como o machismo sempre culpa muito mais as mulheres do que os homens, Bianca foi eliminada em um paredão contra Felipe Prior, também responsável por comentários desnecessários sobre as sisters, além de shows de gritaria e até apologia ao feminicídio.

Para a Dra. em comunicação e ativista do movimento feminista, Michelly Carvalho, o grande problema é que o vivemos em uma sociedade na qual o machismo é estrutural e leva mulheres a julgarem outras mulheres. “Quando nós mulheres condenamos uma mulher por sua atitude machista estamos também sendo machistas porque deixamos de lado toda essa trajetória de opressão pelo qual aquela mulher e outras estão submetidas. É preciso entender as razões pelas quais as mulheres são também machistas. E ajudar a retirar a cortina de fumaça que se formou em seus olhos por conta da toda uma estrutura que ensinou aquela mulher a pensar de uma determinada forma.", aponta.


Não se preocupe, falaremos do “El mago”. Mas é imprescindível falar dessa narrativa machista apontando o relacionamento entre Guilherme Napolitano e Gabi Martins. Infelizmente, Gabi sentiu na pele o que é um relacionamento abusivo, só que em rede nacional. O que, inclusive, nos fez levantar o questionamento: se ele a trata assim com Brasil inteiro vendo, que faria se estivessem a sós?


Guilherme parecia o típico príncipe da Disney, que no começo respeitou o tempo da garota, dizendo que não iria ficar “no pé” dela. Mas quando Gabi se disse apaixonada pelo rapaz, o cenário mudou. Além do grande sofrimento que a moça passou enquanto Bianca ainda estava na casa, com Guilherme claramente apontando que tinha interesses na empresária, deixando Gabi insegura, ele conseguiu fazer uma pressão psicológica tão grande que tudo que ela pedia era “eu preciso respirar”.


Nesse momento a narrativa machista se deu fora do relacionamento também, com brothers como Prior e, pasmem, Babu Santana apontando que a Gabi prejudicaria Guilherme contando intimidades do casal, quando na verdade ela só contava como se sentia insegura. O velho “em briga de marido e mulher não se mete a colher”; mas se “mete” sim, quantas colheres forem necessárias, para livrar uma mulher do sofrimento de um relacionamento abusivo.


O público não descansou e Guilherme foi eliminado posteriormente (seguimos com o Babu e Prior apontando a moça como culpada pela saída dele, mas a culpa sempre é da mulher, não é mesmo?). Vitória! O Brasil finalmente mostrando que não tolera mais o machismo escancarado em rede nacional. Só que não.


Depois de todo o debate feminista levantado na casa, inclusive pelo Babu, que deu força para as meninas e uma verdadeira aula para os meninos (homem só escuta homem, infelizmente), a figura do participante Felipe Prior – chernoboy no começo do programa, ganhou cada vez mais força nas redes sociais. O “El mago”, como foi apelidado pela torcida, estava se tornando um dos favoritos.


É importante ressaltar que a figura do Prior cresceu em um momento de queda das personagens vistas como “fadas sensatas”, isto é, as mulheres que levantaram discurso feminista no começo do programa. As participantes fizeram discursos racistas, gordofóbicos, preconceituosos de outras maneiras... enfim, não foi legal. Era como se algumas delas não tivessem conseguido manter um personagem.


O apelido “El mago” reflete muito quem é a torcida de Felipe: o termo extraído do glossário do futebol, revelou posteriormente torcedores como Neymar Jr e Gabriel Barbosa (Gabigol). Mas não foi somente entre eles que a torcida aconteceu; inúmeras mulheres torciam para o candidato, se apoiando somente no “ranço” criado pelas participantes. Mas eu te garanto, não foi só isso.


O crescimento da torcida do Prior também reflete o quanto ele representa o homem cis hétero branco que se vê como minoria frente ao discurso feminista. Muitos homens se sentiam representados pelas suas falas machistas e compravam o discurso de o homem excluído em meio a um monte de mulher louca.


A participante Flayslane, com quem ele teve uma relação de amor e ódio, foi personagem de muitos desses momentos. Teve coragem de gritar "macho escroto" em determinada situação, e como resposta obteve um "eu não sou macho escroto, eu tenho mãe". Tadinho do homem, né? Sendo julgado como machista quando ele tem mãe (contém ironia).


A personalidade teimosa de Prior impediu que ele alcançasse pontos de vista diferentes, como o Babu tentou tantas vezes. Já cansado, o ator tentou explicar sobre a relação entre a eliminação dos demais homens da casa e a luta de uma mulher negra, caso Prior enfrentasse Thelma em um paredão. Prior respondeu que não via as coisas dessa maneira e Babu rebateu "claro, você se fecha para os assuntos da sociedade".


Além disso, muitos apontaram que preferiam um "machista em desconstrução" do que uma "falsa feminista". Ou seja, a figura do garoto (ainda que ele tenha 27 anos) que ainda está aprendendo sobre as coisas do mundo, foi facilmente comprada. As mulheres precisam ser responsáveis pelas suas atitudes aos 15 anos, mas um homem de quase 30 ainda está em fase de aprendizagem.


Condenar primeiramente as mulheres da casa que, em outros momentos, adotaram discursos tão sérios quanto os de Prior, é uma forma de machismo tão velada, que poucas pessoas conseguem ver: eu consigo apoiar um homem machista, preconceituoso e desequilibrado, mas uma mulher igual JAMAIS. E foi isso que aconteceu; estava tudo bem se o Prior errou, afinal ele é engraçado. Me deixa extremamente triste ver mulheres apedrejando outras mulheres, em detrimento de um homem, ainda que elas tenham cometido os mesmos erros que ele.


A filósofa Djamila Ribeiro aponta em suas palestras sobre a romantização da militância e como essas pessoas não tem o direito de errar. Não significa passar pano, mas sim admitir que fora das suas causas essas pessoas vão errar e devem aprender com esses erros. E isso também é válido para homens, inclusive para o Babu, que tanto contribuiu com o discurso feminista no início, mas chamou outro participante de viado, escorregando em um discurso homofóbico.


No livro "o feminismo é para todo mundo", a filósofa Bell Hooks explica que a luta feminista jamais alcançará seus objetivos enquanto os problemas das mulheres não forem nomeados, as interseccionalidades não forem consideradas, e os homens não abraçassem o movimento. O problema é que os homens não são trazidos para perto (até porque muitos deles não aceitam); ora são tratados como imaturos demais em fase de aprendizagem, ora é aceitado que o machismo faz parte da personalidade masculina.


O paredão formado na noite do dia 29 de março tinha como protagonistas Felipe Prior, Mari Gonzales e Manu Gavassi. Nas redes sociais uma verdadeira polarização: torcedores e jogadores de futebol fazendo campanha para Felipe versus blogueiras, atrizes e outras figuras públicas torcendo para Manu. Eu tive certeza que o público iria tirar a mulher, afinal o Prior era um homem engraçado y jogador.


Não vou aqui passar pano para a fala racista de Manu Gavassi, o que também alavancou o ódio pela garota. Manu disse que os participantes Daniel e Marcela formavam um casal bonito e que os dois eram “esteticamente agradáveis”, pois eram da mesma cor. Eles formam um casal branco e isso supõe que: um negro não pode namorar uma branca, pois eles não combinariam, ou que um negro só pode namorar com um negro – e talvez nem fossem esteticamente agradáveis.


Depois de todas as atrocidades cometidas pelos homens da casa – a grande maioria não citada aqui (pois seria necessário escrever um livro), deixar Felipe Prior permanecer e, quem sabe, vencer o programa, é admitir que o machismo sempre vencerá e que não importa o que um homem faça, sempre será relevado. Na noite desta terça-feira, 31 de março, o Brasil deu uma resposta ao machismo: Prior foi eliminado com 56% dos votos, em um paredão histórico com mais de 1,5 bilhão de votos.


Não, a eliminação dele (e dos demais) não significa que agora vivemos em uma sociedade perfeita, sem machismo, misoginia ou racismo. Mas como apontado anteriormente, o BBB é um espelho da nossa sociedade, e esse espelho está apontando que não aguentaremos caladas atitudes machistas só porque um cara é engraçadinho.


Você não tem o direito de linchar virtualmente o participante Prior, mas ele precisava ficar com esse recado: nós não vamos mais nos calar diante do machismo. E eu espero, honestamente, que ele aprenda, leia, questione e se torne uma pessoa melhor. Quanto às meninas, desejo o mesmo, porque nós também não vamos mais tolerar racismo. Mas sobre isso eu conto depois.

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